. Novo Conceito: 2014. 384 p.
Quando terminei de ler
A menina mais fria de Coldtown, tive que pensar um pouco sobre o que escrever. Fiquei dividido entre qual seria minha opinião. Não gosto de avaliar uma obra como boa ou ruim misturando a história com a forma como ela é narrada ou o estilo da escrita. Por isso, decidi dividir esta resenha em duas partes.
Vamos primeiro ao que interessa: a história.
Para mim, foi muito bom ler sobre vampiros “
reais” e não sobre mutantes com superpoderes, que brilham ao sol e que foram mais danosos aos contos dos bebedores de sangue e lobisomens do que uma estaca de madeira no coração ou uma bala de prata. ;)
Os vampiros de
A menina mais fria de Coldtown são aqueles que conhecemos, os tradicionais, os que muitos acham chatos e enfadonhos por já conhecerem suas origens e fraquezas, mas que são o que são: bonitos, charmosos, frios, cruéis, insaciáveis, traiçoeiros, maquiavélicos, enigmáticos e tantos outros adjetivos.
Mais importante: eles queimam ao se exporem ao sol ou quando sentem água benzida sobre a pele; viram pó ou definham quando levam uma estaca de madeira no coração; escondem-se ao verem uma cruz, podem se regenerar de praticamente qualquer dano físico bebendo sangue e têm os dentes caninos maiores e pontiagudos.
“Havia três vampiros ajoelhados bem no meio da estrada, debaixo de um semáforo quebrado: um homem, uma mulher e uma garotinha, guinchando enquanto a luz do sol os queimava. Seus cabelos estavam em chamas. A carne estava ficando enegrecida e começando a cair em pequenos pedaços, como tinta das tábuas de uma velha casa.”
E é curioso que eles, no livro de
Holly Black, sejam mais normais, dentro de sua natureza, do que os personagens humanos e a sociedade.
Eles vivem sobre códigos antigos, que já conhecemos de outras obras, por isso eles nem sequer são muito explicados, mas têm a sua lógica e o seu objetivo. Já nossa sociedade está completamente destroçada, doente.
Com a disseminação dos ataques de vampiros, causados por apenas um deles em um momento de fúria, que saiu contaminado pessoas normais indiscriminadamente, como uma praga, foram construídas as
Coldtowns, cidades cercadas por grossos e altos muros, com portões de madeira de carvalho sagrado, freixo e espinheiro, embebidas em água benta e com símbolos devocionais de todas as religiões do mundo. Dentro dessas cidades, além dos vampiros, vivem pessoas contaminas, pessoas que desejam ser contaminadas e pessoas normais, que preferem viver nesses lugares do que no mundo externo, por terem uma vida tão estragada que acham que qualquer lugar, por mais perigoso que seja, pode oferecer uma chance de vida melhor, ou menos dolorosa. Ou até mesmo terminar de uma vez com ela. Tudo o que se passa dentro dessas cidades é transmitido por vídeos na Internet, com um gigantesco show de horrores que todos os do lado de fora gostam de acompanhar.
Praticamente um
Big Brother macabro O.O !
Tana, a personagem principal, é traumatizada pela morte da mãe, que foi mordida por um vampiro e entrou na fase de transformação depois de três dias. Para se curar, ela precisaria ficar presa por 88 dias (!) sem beber sangue humano. Do contrário, morreria e voltaria como vampira. Talvez devido a isso, ela meio que não se importa em ser machucada. Não fisicamente, mas emocionalmente.
Ela namorava
Aidan, que a usava com
voyeurismo, levando-a a festas, que ela não gostava de frequentar, só para que ela o visse beijar outras garotas e garotos, esperando por sua reação. Só que ela não fazia nada, só assistia, conformada. Até que Aidan lhe ofereceu um menino para ser beijado e ela aceitou. Beijou com vontade e satisfação, e Aidan terminou com ela. Um jogo doentio feito por pessoas machucadas que não se importam em sentir dor ou fazer dor.
Midnight e
Winter são os dois irmãos que recebem carona durante a fuga de
Tana,
Aidan e
Gavriel do massacre na festa. Eles usam cabelos pintados, maquiagem, piercing, roupas de cores e tipos diferentes, pertencentes a uma tribo não definida de rebeldes, ou desajustados. Eles têm um
blog onde expõem o que sabem sobre vampiros, bem como seus planos para virarem um e morarem em uma
Coldtown. A história deles não é explicada, nem seus traumas, mas fica claro como estão estragados e perdidos.
Jameson é o garoto latino que
Tana conhece quando entra na
Coldtown. De cabelos curtos e negros, argolas douradas nas orelhas, pele morena coberta de tatuagens coloridas, é sempre seguido por um corvo albino (?) . Ele é tipo o anjo da guarda de Tana. Apaixonado por
Valentina, a filha da dona de uma loja de penhores, ele é o cara que aparece providencialmente quando
Tana precisa de algo. Sua história também não é contada, mas percebe-se que tem problemas inacabados na cidade, principalmente quando descobrimos quem é sua mãe.
Então temos os vampiros.
Gavriel é o vampiro misterioso, lindo, sedutor, por quem
Tana se sente atraída logo no primeiro momento. Ele é cavalheiro e educado de acordo com os costumes antigos, denunciando sua idade secular, apesar da aparência jovem. Ele é cheio de segredos e planos, sofreu terríveis torturas no passado, devido a escolhas nem sempre bem feitas, e está dominado pelo sentimento da vingança.
Lucien Moreau é o vilão, o chefe dos vampiros da
Coldtown, que vive na melhor e maior casa, cercado de luxo, de seguidores e de segredos, que exalam por todos os seus poros. Ele é, infelizmente, tão caricatural quanto todos os outros que você já viu em algum filme “
trash” de vampiros. Tem até sua risada megalomaníaca. E fica claro qual será o seu fim, deixando apenas a expectativa de saber exatamente como e pelas mãos de quem.
Com certeza, a
Menina mais fria de Coldtown é uma história que será apreciada pelos amantes do gênero. A editora colocou pequenos respingos de sangue em cada uma das páginas pares do livro, e a história corresponde a esse detalhe: o sangue espirrar por todos os lados. Não a considero de terror, nem de suspense, e sim mais parecida com um episódio de
Buffy (ah, que saudades dessa série :D), mas foi um alento depois de tantos livros que deturpam esses seres noturnos e sedentos de sangue.
“O sangue gotejou, escuro e espesso como xarope, antes que ele também começasse a fenecer. O sangue borrifou o terno claro de Lucien, e as faces de quem por ali passava, assim como suas roupas elaboradas, ficaram manchadas com pontinhos escuros, como se o sangue houvesse caído em uma chuva do céu, como uma tempestade de verão em um pesadelo. ”
Bem, então chegamos à segunda parte de minha resenha.
Holly Black narra a história alterando os capítulos com narrativas no presente e no passado. A maneira como ela faz isso não funciona neste tipo de obra, porque quebra todo o clima e o suspense. Se o autor deseja inserir uma explicação sobre algo, ou sobre o passado de alguém, ou qualquer outra coisa fora do tempo corrente que a história segue, existe um momento adequado para isso, quando não fere a ação.
Senti a mesma coisa quando assisti essa última versão de Godzilla, no cinema: toda vez que o monstro ia aparecer, a cena era cortada e íamos para uma sequência diferente de ação, deixando o expectador frustrado, como se alguém arrancasse o doce que estava prestes a saborear.
Isso também ocorre com diálogos.
Black interrompe conversas entre os personagens para explicar coisas que podiam esperar outro momento mais adequado. Às vezes foi necessário voltar nos diálogos anteriores para compreender toda a conversa, porque, devido a essas explicações, perdi o raciocínio do que estava sendo dito.
Essas interrupções são tantas que, no meio do livro, elas se tornam repetitivas. A autora explica diversas vezes as mesmas coisas: os sintomas e a cura da infecção de quando se é mordido por um vampiro, como funcionam as
Coldtowns e seus
reality shows, o drama da mãe de
Tana, como os vampiros se disseminaram, etc. A sensação que tive é que ela estava estendendo a história, porque não tinha o que contar neste primeiro livro, como se ele tivesse continuação, fosse parte de uma trilogia, a moda da vez.
Mas não é! É uma história fechada!
Outra coisa que me incomodou no livro, foi o romance criado entre
Tana e
Gavriel. Chega a ser menos convincente que a existência de vampiros no mundo real. A autora gasta páginas descrevendo apenas uma única ação, mas não consegue criar mais do que um parágrafo para descrever o que o casal principal sente um pelo outro. E os momentos em que isso acontece, são tão forçados e superficiais, que beiram a comédia. O primeiro beijo deles acontece no meio do livro, mas eu levei um susto! Até aquele momento, o que
Tana sentia por ele, ou o que a autora descreveu do que ela sentia, não enchia quatro linhas. Aí, sem mais nem menos, ela morde a própria língua e oferece a boca cheia de sangue para um vampiro, que ela mal conhece e que não sabe o que sente por ela, beijar. Tive que voltar nos capítulos anteriores para ver se tinha deixado escapar alguma coisa. :(
Mas, apesar desses problemas, e de uma grande displicência da editora na revisão, que deixou passar vários erros de digitação e uma certa estranheza em alguns trechos, talvez devido à tradução, eu considero o saldo positivo.
A
menina mais fria de Coldtown é um livro sobre vampiros que fazia falta nas livrarias, e que vou guardar na minha estante. Recomendo que, se você for fã do gênero, leia e mate as saudades dessas criaturas na sua forma mais pura.
Eu matei. Com estaca de madeira e tudo! ;)