MONTES, Raphael.
. Cia das Letras, 2016. 360 p.
Há duas formas de encarar
Jantar Secreto: a primeira, e mais óbvia, seria um misto de drama e horror, onde um grupo de jovens, vindos do interior do Paraná, fracassam na tentativa de construir uma vida profissional de sucesso no Rio de Janeiro, e encontram a solução de seus problemas na organização de jantares milionários, onde servem carne humana. Por esse pequeno enredo, fica evidente o quanto a narrativa pode ser pesada e degradante. Entretanto, seguindo por esse caminho, o livro fracassa miseravelmente.
A segunda forma de encarar
Jantar Secreto, é classificar a história de humor negro, onde o absurdo das situações faz rir. Por esse outro caminho, o livro agrada e atinge o objetivo de entreter, o que, talvez, não tenha sido o proposto originalmente pelo autor.
Quando se escreve uma história, o autor precisa tomar cuidado com diversas coisas. Entre elas, transformar o que conta em algo verossímil, algo que o leitor compra e acredita, mesmo que os personagens sejam anjos, vampiros, monstros, ou, neste caso, jovens que propagam o canibalismo como forma de ganhar dinheiro.
Ao iniciar a leitura de
Jantar Secreto, o leitor começa acreditando que algo irá acontecer, mas já nas primeiras páginas, quando o motivo do canibalismo é apresentado, começa uma trajetória de absurdos, que vão crescendo em quantidade e intensidade, que não convencem, não só pelos furos do roteiro, como pelas motivações.
Nesse ponto, a obra não desaba apenas por um motivo: o humor empregado acidentalmente nos pensamentos e ações de todos os personagens. Digo acidentalmente, porque, pelo minha ótica, o autor não teve essa intensão, uma vez que, por diversas vezes, ele coloca Dante, o personagem principal e narrador, a dizer que o que está contando é sério, que o que eles estão fazendo, poderia ser feito por qualquer um de nós nas mesmas situações, que as coisas que eles perpetuam é horrendo e que não é passível de perdão. O que penso é que, ao escrever, o autor percebeu o quanto as situações criadas eram desprovidas de causa, que era necessário implorar para o leitor acreditar que elas poderiam, realmente, acontecer.
Sinto muito, mas não. Ninguém em perfeita saúde mental, ou mesmo nem tanta, apenas por uma dívida de aluguel, que pode ser paga com o dinheiro da mãe de um deles, torna-se assassino e comedor de pessoas. Inclusive, o autor, ainda pela voz de Dante, afirma que as pessoas loucas são menos perigosas que as normais, uma vez que são estas últimas quem, normalmente, perpetuam as maldades. Novamente, sinto discordar. A partir do momento que uma pessoa executa um ato de maldade sem causa, ela tem uma psicopatia e, portanto, não é normal.
Então, o que nos resta, é acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e rir dos absurdos que vão sendo apresentados, como a prostituta que se mostra extremamente competente em decepar membros humanos, suando uma motosserra amarela com adesivos, o cozinheiro que usa esses membros como se fossem iguarias, o administrador que recebe os convidados com um sorriso no rosto, mesmo sabendo que as pessoas estão sendo assassinadas, e o especialista em informática, que consegue invadir quase qualquer computador, menos uma conta do Instagram, quando uma foto do jantar vaza.
Encarando dessa forma, como uma comédia recheada com partes humanas e regada com sangue, a leitura é prazerosa e divertida, principalmente pelo total declínio de caráter dos personagens principais: Dante é gay, passa todo o livro lamentando sua vida desgraçada, sua incapacidade de impedir os jantares e o desmoronamento da amizade com seus amigos, além de criar um romance, justamente, com o marido de uma das pessoas que foram servidas no jantar; Hugo almeja ser um cozinheiro famoso, criador de iguarias difíceis de reproduzir, o que, de certa forma consegue; Miguel torna-se médico e, da mesma forma que Dante, passa todo o livro chorando e dizendo que não quer participar daquele negócio horrendo, mas sempre acaba se envolvendo; Leitão é o hacker, cujo conhecimento de informática é tão extenso quando a necessidade do enredo, isto é, ele vai de um burro total a um gênio nos computadores; e, finalmente, a personagem mais interessante e engraçada, que é Cora, a prostitua que Dante, Miguel e Hugo contratam como presente de aniversário de Leitão, e que se torna peça fundamental de todo o enredo.
Inclusive, Cora é a protagonista de algumas tiradas que o autor dispara a diversos segmentos. Ela escreve poesias e frases de efeito, porque seu sonho é escrever e publicar um livro. Essas frases são mencionadas por Dante em toda a narrativa, e sempre estão associadas a algo que aconteceu, ou que está prestes a acontecer. Em determinado momento, lá para o meio do livro, Dante precisa encontrar uma forma de lavar o dinheiro que os cinco ganham. A forma que ele encontra, é publicando os textos de Cora, como se fosse uma editora. E após isso, Cora se sente realizada, dizendo ser uma autora publicada.
Realmente, hoje em dia, para ser um autor de livro publicado, só é necessário dinheiro. Existem diversas editoras que funcionam como gráficas, que não se preocupam com o conteúdo ou qualidade da obra, que não fazem revisões ou expõem opiniões, e publicam qualquer coisa que qualquer um pague. Entretanto, um autor publicado por uma editora tradicional, que não cobra pelo serviço, também não oferece garantias de qualidade, uma vez que se qualquer um observar, existe muita coisa ruim publicada por editoras ditas como grandes. E se o autor não paga para isso, existe algo que se chama lobby, ou seja, peixinho, quem indica, apadrinhamento. E isso, a meu ver, é bem pior que do que o autor que tem dinheiro para pagar pela publicação de sua obra.
Continuando o desmembramento de
Jantar Secreto, o que começa com a ideia de apenas um jantar, servindo partes de um defunto ao preço de cinco mil reais por pessoa, torna-se um aglomerado industrial, com abatedouros espalhados por diversas capitais do país, envolvimento de inúmeros policiais de rodovias estaduais, como também detetives, garçons, açougueiros, motoristas, assassinos, sequestradores, e um crescente de outros absurdos, que seriam facilmente descobertos e desmascarados, pela extensão que atingiram, até que chegamos a um clímax onde se confunde o certo com o errado, onde não se aplica nenhuma moral, onde jorra sangue para todos os lados e onde é revelada uma explicação para tudo isso, que, enfim, é divertida e faz rir pelo teor nonsense.
Entretanto, tem uma coisa que
Jantar Secreto faz muito corretamente, que é o paralelo entre a produção industrial de carne humana e carne animal. Por diversas vezes, o autor realiza essa comparação, alertando para que, hoje em dia, os matadouros são máquinas de produzir animais para abate, deixando de lado qualquer pingo de compaixão. Que a mesma carnificina realizada nas pessoas, que ele descreve no livro, existe igual para bois, galinhas, porcos, etc. Tudo bem que precisamos delimitar as duas comparações, contudo não podemos esquecer que em ambas, estamos tratando de seres vivos.
Resumindo: encare
Jantar Secreto como uma história gore, divertida, onde não é necessáiro se preocupar com a lógica do enredo, nem com a motivação de cada personagem, simplesmente aproveite a leitura, ria dos absurdos e, ao fim, procure algo mais sério e com alguma moral para contrabalançar.